terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Temido Inimigo

Havia uma vez, num reino muito longínquo e perfeito, um rei que gostava muito de sentir-se poderoso. Seu desejo de poder não era satisfeito somente por possuí-lo, ele necessitava que todos o admirassem por ser tão poderoso, da mesma forma que a madrasta da Branca de Neve, para quem não era suficiente sentir-se bela, e também necessitava olhar-se num espelho que lhe dissesse quão poderoso era. Embora ele não tivesse espelhos mágicos, contava com um monte de serventes e cortesãos ao seu redor aos quais lhes perguntava se era o homem mais poderoso do reino.

Invariavelmente ouvia a mesma reposta:

 - Alteza, és muito poderoso, mas tu sabes que o mago tem um poder que ninguém possui. Ele conhece o futuro.

Naqueles tempos, alquimistas, filósofos, pensadores, religiosos e místicos era chamados genericamente de “magos”.

O rei estava com muita inveja do mago do reino, pois ele não somente tinha fama de ser um homem muito bom e generoso, como o povo o amava, admirava e comemorava que ele existisse e morasse ali.

Não diziam o mesmo do rei.

Talvez por necessitar mostrar quem mandava; o rei não era justo, equânime, e muito menos, bondoso.

Um dia, cansado do que as pessoas lhe contassem o quão poderoso e querido o mago era, ou talvez motivado por essa mistura de ciúmes e temores que gera a inveja, o rei elaborou um plano:

Organizaria uma grande festa para qual convidaria o mago. Após o jantar, pediria atenção de todos. Chamaria o mago ao centro do salão e, na frente dos cortesãos lhe perguntaria se era verdade que podia ler o futuro. O convidado teria duas possibilidades: dizer que não, defraudando assim a admiração das pessoas ou dizer que sim, confirmando a sua fama. O rei estava seguro que escolheria a segunda possibilidade. Assim sendo, lhe pediria que falasse a data na qual o mago do reino ia morrer. Ele daria alguma resposta, um dia qualquer, não interessava qual dissesse que no mesmo instante, o rei planejava sacar a sua espada e matá-lo. Com isso conseguiria duas coisas ao mesmo tempo: livrar-se do seu inimigo para sempre e, segundo, demonstrar que o mago não tinha podido ver o futuro, sendo que sua predição tinha sido errada. Numa só noite acabaria com o mago e com o mito de seus poderes.

Os preparativos começaram logo e finalmente o dia da festa chegou.

Após o grandioso jantar, o rei convidou o mago ao centro do salão e lhe perguntou:

- É verdade que podes ler o futuro?

- Um pouco – respondeu o mago.

- E podes ler teu próprio futuro? – perguntou o rei.

- Um pouco – respondeu o mago.

- Sendo assim, quero que me dês uma prova disso – falou o rei. – Quando morrerás? Qual a data de tua morte?

O mago sorriu, olhou nos olhos do rei e não respondeu.

- O que está acontecendo mago? – disse o rei sorridente. – Talvez não saibas? Então não é verdade que podes ver o futuro?

- Não se trata disso – respondeu o mago – não me atrevo a dizer-te o que eu sei.

- Como não se atreves? – falou o rei – Eu sou o teu soberano e te ordeno que me digas. Deves perceber o quanto e importante para o reino saber quando perderemos as pessoas mais ilustres. De forma que me responda quando morrerá o mago do reino?

Após um tenso silêncio o mago olhou para o rei e falou:

- Não posso precisar a data. Sei, porém, que o mago morrerá exatamente um dia antes do rei.

Durante alguns minutos o tempo se congelou. Um murmúrio correu entre os convidados.

O rei sempre tinha dito que não acreditava em magos nem em adivinhações, mas o fato é que não se atreveu a matar o mago.

Lentamente o soberano abaixou a cabeça e ficou em silêncio. Os pensamentos atropelavam-se na sua cabeça.

Percebeu que havia cometido um erro. Seu ódio e inveja tinham sido seus piores conselheiros.

- Alteza, ficou pálido. O que aconteceu? – Perguntou o mago.

- Estou me sentido mal – respondeu o monarca. - Vou retirar-me para o meu quarto. Agradeço que tenha vindo.

E com um gesto confuso o rei girou em silêncio e se encaminhou para o seu quarto. O mago era muito inteligente e tinha dado a única resposta que evitaria a sua morte.

Tinha lido a sua mente?

Não, a predição não podia estar certa. Mas e se fosse? Estava aturdido.

Pensou que seria trágico se alguma coisa acontecesse com o mago a caminho de casa. O rei voltou-se e disse em voz alta:

- Mago, és famoso no reino pela tua sabedoria. Peço-te para passares esta noite no palácio, pois gostaria de discutir com você algumas decisões reais pela manhã.

- Majestade! Será uma grande honra – respondeu o convidado fazendo uma reverência.

O rei deu ordens aos seus guardas para que acompanhassem o mago ao quarto de hóspedes do palácio e que vigiassem sua porta, a fim de assegurar-se de que nada lhe aconteceria.

Essa noite o rei não conseguiu dormir. Estava muito inquieto, pensando no que poderia acontecer se ao mago tivesse lhe feito mal a comida, ou se caísse acidentalmente ou se, simplesmente, tivesse chegado a sua hora.

Bem cedo pela manhã, o rei bateu à porta do seu convidado. Ele nunca em sua vida tinha pensado em consultar nenhuma das suas decisões, mas desta vez, quando o mago o recebeu, lhe fez uma pergunta. Necessitava de uma desculpa.

O mago, que era um sábio, deu-lhe uma resposta correta, criativa e justa.

O rei, quase sem escutar a resposta, elogiou o hóspede pela sua inteligência e pediu-lhe que ficasse mais um dia, supostamente para “consultar-lhe” outro assunto.

O mago, que tinha a liberdade que somente conquistam os iluminados, aceitou.

A partir desse momento, todos os dias, seja pela manhã, ou pela tarde, o rei ia até as dependências do mago para consultar-lhe alguma coisa e o comprometia para uma nova reunião no dia seguinte.

Não passou muito tempo até que o rei percebeu que os conselhos do seu novo assessor eram sempre acertados e começou, quase sem dar-se conta, a considerá-los em cada uma das suas decisões.

Passaram-se os meses e depois os anos. E como sempre acontece: estar perto daquele que sabe, torna mais sábia a quem nada sabe.

Assim aconteceu, o rei lentamente foi se tornando mais e mais justo.

Deixou de ser despótico e autoritário, não precisou mais sentir-se poderoso e por isso deixou de precisar demonstrar seu poder. Percebeu que a humildade também poderia ter as suas vantagens. Começou a reinar de uma maneira mais sábia e bondosa.

E aconteceu que o povo começou a amá-lo, como jamais o tinham amado antes.

O rei já não ia visitar ao mago a fim de conferir a sua saúde, ia realmente para aprender, para compartilhar alguma decisão ou simplesmente para conversar. O mago e o rei tornaram-se excelentes amigos.

Quatro anos após aquele primeiro encontro, e sem nenhum motivo, o rei se lembrou que aquele homem, a quem considerava seu melhor amigo, tinha sido o seu mais odiado inimigo. Lembrou-se do plano que uma vez tinha elaborado para matá-lo.

Achou que não podia conservar por mais tempo aquele segredo sem sentir-se hipócrita. O rei juntou coragem e foi até o quarto do mago. Bateu na porta e assim que entrou, falou:

- Meu irmão, tenho uma coisa para te falar que me oprime o peito.

- Fale – respondeu o mago – e alivia teu coração.

Naquela noite quando te convidei para jantar e te perguntei sobre a morte, na verdade eu não queria saber sobre o teu futuro. Eu planejava te matar, qualquer que fosse a resposta, queria que tua morte inesperada desmistificasse tua fama de adivinho. Odiava-te porque todos te amavam. Estou tão envergonhado.

O rei suspirou e continuou:

- Naquela noite eu não tive coragem para matar-te e agora que somos amigos, mais que amigos, irmãos, e me apavora pensar em tudo que teria perdido se o tivesse feito. Hoje senti que não posso continuar ocultando minha infâmia. Necessitei te dizer tudo isso para que perdoe ou me despreze, mas com toda franqueza.

O mago olhou para o rei e falou:

- Demorastes muito em poder me falar isso. No entanto fico feliz que o tenha feito, porque somente isso me permitirá dizer-te que eu já sabia. No instante em que você me fez a pergunta e levou sua mão à sua espada, foi tão clara a intenção que não era necessário ser adivinho para perceber o pretendias fazer. – O mago sorriu e colocou a mão sobre o ombro do rei – Como justa retribuição a tua sinceridade; devo dizer-te que também te enganei. Confesso que inventei aquela absurda história da minha morte antes da tua a fim de te ter como a um irmão. Um irmão que somente hoje está em condições de aprender, talvez a coisa mais importante que tenha te ensinado:

- Vamos pelo mundo odiando e rejeitando aspectos das pessoas e até de nós mesmos, que acreditamos desprezíveis, ameaçadores ou inúteis e, no entanto, se deixarmos passar o tempo suficiente, acabamos percebendo o quanto seria difícil viver sem aquelas coisas que rejeitamos em um dado momento. Tua morte, querido amigo, chegará justamente no dia de tua morte e nem um minuto antes. É importante que saibas que já estou velho e que meu dia está chegando. Não existe nenhuma razão para pensar que tua partida esteja atrelada a minha. Nossas vidas é que se ligaram; não nossas mortes.

O rei e o mago se abraçaram e comemoraram brindando pela confiança que sentiam por essa relação que haviam construído.

Conta a lenda, que misteriosamente, nessa mesma noite, o mago morreu durante o sono.

O rei soube da notícia na manhã seguinte e sentiu-se desconsolado. Não estava angustiado pela idéia de sua própria morte, tinha aprendido com o mago a desapegar-se até de sua permanência neste mundo. Estava triste pela morte do seu amigo. Que estranha coincidência tinha feito que o rei pudesse contar ao mago tudo aquilo justamente na noite anterior a sua morte? Ou seria que, talvez, de alguma forma desconhecida, o mago tinha feito com que ele pudesse falar aquilo para poder acabar com a crença que ele morreria um dia depois? Um último ato de amor para liberá-lo de seus temores de outros tempos.

Contaram que o rei levantou-se e com suas próprias mãos cavou no seu jardim uma tumba para o seu amigo, o mago, bem abaixo de sua janela. Enterrou ali seu amigo e ficou o resto do dia ao lado do túmulo, chorando como somente se chora a perda dos seres mais queridos. Somente com a noite já avançada, o rei voltou para o seu quarto.

Conta a lenda... Que nessa mesma noite, exatamente um dia após a morte do mago, o rei morreu enquanto dormia.

Talvez seja casualidade. Talvez de dor. Talvez para confirmar o último ensinamento de seu mestre. 
                                                                                                                                            Jorge Bucay

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